Tenho falado muito sobre o preço do cacau e a crise global que estamos enfrentando desde o ano passado lá no blog da Java Chocolates.
Inclusive, esta crise nos forçou a pensar muito estrategicamente sobre como conduzir os negócios durante este ano – com o foco todo na fábrica, reduzi minhas publicações por aqui.
Vamos entender o que está acontecendo e o que a indústria está fazendo para contornar este problema.
Preço do cacau: porque está tão caro?
A crise global do cacau, com preços elevados e oferta reduzida, pressiona os fabricantes de chocolate a encontrar alternativas.
O El Nino alterou o clima, causando ondas de calor e seca, que afetaram profundamente as lavouras, principalmente na África.
Com pouco cacau a ser vendido e com empresas querendo comprar, o preço dispara – é a lei da oferta e demanda. Lembrando que o cacau é uma commodity negociada em bolsa, portanto, passível de especulação financeira.
Muitos fornecedores com os quais conversei simplesmente deixaram de vender para o mercado interno e estão exportando o pouco de cacau que conseguem colher.
O que usar no lugar do cacau?
Diante da crise, startups começaram a buscar alternativas para o cacau, criando ativos bioidênticos – ou seja, cacau de laboratório. Esta startup estuda desenvolver cacau a partir de suas células.
Além disso, a indústria já pensa em alternativas como o uso da alfarroba e farinha de casca de cacau para reduzir a concentração do ingrediente em seus produtos.
Maneiras de reduzir a dependência do cacau
É importante entender que a crise vai além do preço – estamos falando de escassez de uma matéria prima, que não deve normalizar tão cedo.
Como pequenos fabricantes de chocolate, a alternativa é apostar em chocolates com menor teor de cacau, como produtos recheados.
Já as confeiteiras e chocolatiers podem trocar o chocolate que usa atualmente por um de menor teor de cacau e incluir em seu cardápio sobremesas a base de frutas ou outros ingredientes.
Escrevi um manual de sobrevivência para quem trabalha com chocolate e está sofrendo para repassar os preços. Leia aqui.
O mais importante é ter calma e não deixar de repassar os aumentos. Leia o artigo para entender.
Manteiga de cacau: ouro líquido
A manteiga de cacau sempre foi a parte mais nobre. Ela é extraída a partir da prensagem dos grãos, que tem cerca de 48% de manteiga.
O resultado desta prensagem é o cacau em pó e a manteiga. O cacau em pó sempre tem pouco valor agregado quando comparado ao grão inteiro e à manteiga.
Portanto, se o cacau subiu 5x, a manteiga registra aumentos ainda mais expressivos.
Isso gerou o aumento do uso das gorduras alternativas à manteiga de cacau, como as CBS (cocoa butter substitute) e CBE (cocoa butter equivalent)
Falo com detalhes sobre estes dois tipos de gordura no curso Chocolate Decodificado.
Gorduras Fracionadas
Os equivalentes de manteiga de cacau (CBEs) são promovidos como soluções sustentáveis e econômicas. No entanto, questões nutricionais e sensoriais ainda são preocupações significativas.
CBEs, produzidos a partir de óleos vegetais como palma e karité, oferecem vantagens de custo e estabilidade. Já expliquei neste post por que Chocolate Fracionado não precisa temperar.
Em comparação com a manteiga de cacau, CBEs são mais baratos e não sofrem com as flutuações de preço do cacau.
Além disso, a produção de CBEs pode ser mais sustentável, já que pode utilizar óleos de culturas que requerem menos recursos naturais em comparação com o cacau, cuja produção é impactada por doenças e mudanças climáticas como a que estamos vivendo agora.
(confectionerynews.com) (confectionerynews.com).
Questões Nutricionais e Sensoriais
Apesar dos benefícios econômicos, CBEs levantam preocupações nutricionais.
A manteiga de cacau é conhecida por seu perfil nutricional saudável, contendo gorduras mono e poli-insaturadas que podem beneficiar a saúde cardiovascular. Ela é considerada uma gordura boa, assim como o ômega 3.
Em contraste, os chocolates fracionados contêm maiores quantidades de gorduras saturadas e a temida gordura trans, oriunda do processo de transformar o óleo em gordura.
Além das questões nutricionais, a manteiga de cacau é insuperável em termos de propriedades sensoriais.
A sensação de derretimento na boca e a liberação de sabor proporcionada pela manteiga de cacau são difíceis de replicar com CBEs.
Isso se deve à estrutura única de ácidos graxos da manteiga de cacau, que confere ao chocolate sua textura suave e agradável.
Conclusão
Enquanto a indústria busca alternativas para enfrentar a crise do cacau, é crucial considerar todos os aspectos envolvidos.
Que tal ao invés de criar cacau a partir de células, encontrar melhorias para o solo e para o clima, principalmente na África?
Geopoliticamente falando, sabemos que a cadeia do cacau africano tem problemas sociais graves, como trabalho escravo, exploração infantil e lavouras velhas com solo pobre.
Quanto à manteiga, gorduras equivalentes podem oferecer uma solução sustentável e econômica, mas é importante não negligenciar os aspectos nutricionais e sensoriais que fazem da manteiga de cacau um ingrediente essencial na fabricação de chocolate de alta qualidade.
A sustentabilidade deve ser buscada, mas não às custas da saúde do consumidor e da experiência sensorial que define o prazer de consumir chocolate.