A queda no preço do cacau levanta dúvidas: será que a crise do cacau acabou, finalmente? Mas a realidade da produção bean to bar mostra que o cenário ainda está longe da normalidade.
A crise do cacau acabou?
Na última semana, pipocaram manchetes em jornais e redes sociais afirmando que o preço do cacau caiu, gerando, inclusive, indignação por parte dos produtores.
As matérias deram conta que – depois de atingir um pico de mais de US$ 11.000 por tonelada em abril de 2025, o mercado recuou para cerca de US$ 7.000.
Com isso, surgiram as perguntas:
“A crise do cacau acabou?” O Chocolate vai voltar a ficar barato?
A resposta técnica e prática é: não.
A crise segue, mesmo com a correção no gráfico. Vamos entender isso.

O que causou a queda no preço do cacau?
Ao contrário do que parece, a queda de preços não veio de um aumento na oferta ou de uma recuperação da produção.
Apesar de muitas manchetes associarem a queda do preço a um aumento significativo da safra na América Latina, ela não é suficiente para suprir a quebra das lavouras da África.
Confesso que fiquei animada com este dado, e fui conversar com meus colegas do mercado do cacau, para entender essa dinâmica.
Mas, o motivo da queda infelizmente não é esse. Ela é reflexo de dois fatores principais:
1. Redução da demanda industrial
Não precisa ser um expert em marketing pra saber: quando o preço sobe, a demanda cai.
Quanto mais caro um produto, menos pessoas conseguem comprar.
Olhe a seu redor: quantas pessoas vieram perdendo poder de compra ao logo dos anos? Eu sinto que perdi!
E isso impacta diretamente a indústria. Já escrevemos um artigo sobre as grandes fabricantes de chocolate também estarem sofrendo com o aumento do cacau em 2024.
Leia o artigo: Chocolate caro: por que até os grandes estão sentindo a crise no cacau
Com isso, muitas grandes marcas reformularam produtos para usar menos cacau.
Outras, reformularam o mix para focar mais em doces e snacks.
E ainda tem aquelas que foram à campo para buscar alternativas tecnológicas ao cacau (leia aqui: Chocolate sem cacau: O que isso significa?)
2. Recuo dos especuladores
O mercado futuro perdeu força, e a pressão compradora diminuiu.
Ou seja, o preço caiu, mas não porque o problema foi resolvido.
Foi uma resposta do mercado à retração de atividade — não um sinal de estabilidade.
A crise do cacau explicada:
Desde o início de 2024, o mercado do cacau passou por uma das maiores oscilações da história.
O preço disparou, chegando aos US$ 12.000 por tonelada no primeiro semestre de 2025.
O motivo para isso está bem explicado no artigo abaixo:
Leia o artigo: Porque o chocolate está tão caro
Observe no gráfico como o preço subiu de setembro de 2023 até os dias de hoje.

Corta para 2025
Em setembro, houve uma correção: o preço do cacau caiu para cerca de US$ 7.000.
Mas essa “queda” não representa alívio real para quem produz chocolate artesanal.
Ela é parte de um cenário mais complexo — que ainda exige atenção.
E no Brasil?
O preço do cacau caiu, por que o chocolate continua caro?
Primeiro ponto, é que o preço que associamos ao chocolate em nossa cabeça está amarrado ao cacau na faixa de 2 ~3 mil dólares. Aquela época onde encontrávamos barras premium custando menos de R$ 20,00.
E essa memória é pulsante na cabeça do consumidor brasileiro pois, por muito tempo, o cacau oscilou nesta faixa de preço.
Não entro no mérito de estar certo ou errado – procuro ouvir os relatos dos produtores e dos fabricantes.
Mas é fato que o consumidor ainda não está habituado à essa nova faixa de preço – ainda mais quando misturamos neste molho uma crise economica global.
A realidade agora é outra. Como eu já venho dizendo, a chance de voltarmos a este patamar de preço é muito pequena.
Veja este vídeo no youtube: Inflação e o preço do chocolate.
O cenário do cacau no Brasil
O Brasil vive uma situação particular dentro da crise do cacau.
- Queda na moagem interna: a indústria nacional reduziu em cerca de 14% o volume processado no primeiro semestre de 2025. Isso significa menos demanda de cacau.
- Exportações comprometidas: a venda de manteiga de cacau ao exterior caiu drasticamente, em parte por tarifas e barreiras impostas pelos EUA e por menor competitividade no preço. Apesar de haver rumores de que a taxa será isenta para o cacau, o maior mercado é para a manteiga, e não a amêndoa bruta.
- Deságio interno: o preço pago ao produtor brasileiro sofreu distorções, com cacau vendido abaixo da cotação internacional. Isso pressiona ainda mais o produtor rural, que escolhe guardar sua produção esperando os preços subirem para vender.
- Dependência do mercado externo: a cadeia brasileira segue vulnerável às oscilações globais. Oscilações no câmbio e na bolsa de Nova Iorque continuam determinando os preços aqui.
Para o chocolateiro artesanal, esses pontos significam:
- Dificuldade em encontrar cacau de qualidade
- Maior instabilidade de fornecimento em contratos pequenos
- Menor previsibilidade para planejamento de longo prazo
Em resumo: mesmo sendo produtor de cacau, o Brasil não escapou da crise. E para o chocolate bean to bar, que depende de matéria-prima rastreada e de qualidade, a pressão continua alta.

Quando o preço do chocolate vai cair?
Mesmo com a queda no preço do cacau, o impacto não é imediato na produção artesanal.
Isso acontece por três motivos centrais:
- O cacau utilizado hoje foi comprado meses atrás, no pico da crise
- A manteiga de cacau continua cara e escassa
- Insumos como embalagens, energia e frete seguem em alta
- Todos os dias temos um imposto diferente para agregar ao custo.
Produzir chocolate artesanal em 2025 ainda é um desafio
A queda no preço do cacau não muda a estrutura de custos da produção artesanal.
- O insumo principal continua pressionado
- A demanda do consumidor final é sensível ao preço
- A margem segue espremida para quem mantém a qualidade
Por isso, ainda que o gráfico tenha recuado, a crise não acabou para quem faz chocolate sério.
Para quem está começando: crise como formação
Se você é aluno, iniciante ou pequeno produtor, guarde esta ideia:
“Ser forjado na crise cria uma musculatura técnica e estratégica que não se desenvolve em tempos de bonança.”
Produzir chocolate em tempos de escassez exige:
- Proficiência em temperagem e controle de perdas
- Domínio da cadeia do insumo
- Clareza de posicionamento no mercado
- Capacidade de educar o cliente sobre o que está comprando
Quem começa na crise ganha uma vantagem ENORME quando ela passar. Mas, para isso, é importante aprender sobre o negócio, e não só as melhores receitas.
Se você está começando agora, saiba:
Você está entrando num mercado mais exigente, mas também mais consciente.
E isso pode ser uma vantagem — se você aprender com a crise.
É o que eu ensino aqui na Chocolateria Técnica.
Conclusão: A crise do cacau acabou? Não para quem mantém integridade
Quem produz chocolate bean to bar ainda sente os efeitos da alta.
E a correção no preço do cacau não significa que tudo voltou ao normal.
Portanto, se você está ouvindo que a crise do cacau acabou, avalie o contexto completo.
Para quem mantém a qualidade, o desafio permanece.
Mas também permanece a oportunidade:
Ser consistente, estratégico e técnico em um mercado que está se tornando mais exigente — e mais seletivo.
O mundo não vai deixar de consumir chocolate. Pense nisso.